Puma, Onça e Carcará

O fechamento da DKW foi um sério golpe para a Puma, que mal começava a se firmar. Mas Rino tirou uma carta da manga: retomou um projeto que estava parado no galpão da Fazenda Chimbó e o que era para ser, inicialmente, um carro de corrida com a plataforma do Karmann-Ghia, virou o protótipo de um novo GT. Após nove meses de muito trabalho, nasceu o Puma Volkswagen.

Puma Volkswagen

O pequeno esportivo teve uma carreira brilhante: além do sucesso no Brasil, foi exportado para mais de 50 países, inclusive Japão, Estados Unidos e vários da Europa.

No total, mais de 23.500 unidades foram produzidas, entre elas conversíveis e versões especiais para corridas, com carroceria mais leve e sem acabamento interno. O carro era oferecido, normalmente, com o motor Volkswagen 1.600 cm³ resfriado a ar, com potência modesta, mas durabilidade garantida.

Ao longo do tempo, para satisfazer os clientes, a Puma criou uma linha de equipamentos que incluía kits de pistões, lubrificação forçada com cárter seco e radiador de óleo e uma série de comandos de válvulas especiais. O Puma também foi fabricado na África do Sul, sob licença. A empresa Bromer Motors produziu 357 unidades na cidade de Durban, em 1972.

Primeiro exemplar do Puma Volkswagen de 1968.

Puma GTB

Com a fabricação e as vendas do Puma Volkswagen consolidadas, Rino partiu para o projeto de um modelo mais potente e vistoso, com a missão de substituir importados como o Mustang e o Camaro, cuja importação àquela altura era praticamente inviável, devido à elevada tributação. Nasceu assim o Puma GTB, que utilizava a mecânica do Chevrolet Opala. O carro tinha uma estrutura própria, ligada ao subchassi e às suspensões do Opala. O comprador podia optar entre os motores de quatro e seis cilindros e o câmbio com quatro marchas tinha alavanca no assoalho. O Puma Chevrolet foi um dos grandes sucessos do Salão do Automóvel de 1972, mas as vendas só iniciaram em 1974.

Puma GTB.

O afastamento

A relação de Rino Malzoni com a empresa que nasceu a partir de sua iniciativa tinha tudo para ser duradoura e feliz. Infelizmente, quando uma doença cardíaca o afastou do dia-a-dia de Puma, a partir de 1973, ele foi, de certa forma, ‘descartado’ pelos sócios. Em 1974, enquanto passava por uma delicada cirurgia, a Puma Veículos e Motores foi dissolvida e, a partir dos seus ativos, criada uma nova companhia, a Puma Industrial, em que Rino Malzoni era acionista minoritário. Ainda em recuperação e muito magoado, Rino afastou-se da empresa no mesmo ano.
Sem criar uma alternativa mais moderna para o mercado, a Puma passou a enfrentar concorrentes como a Miura, Santa Matilde e Adamo, entre outras, perdendo espaço no mercado, e acabou fechando em 1980.

GT 4R

O GT 4R foi um carro criado especialmente para a revista Quatro Rodas, que teve apenas três unidades produzidas. Os carros foram feitos na oficina de Rino em Araraquara e, apesar de terem linhas parecidas com as do Puma, tinham uma identidade bem diferenciada. O estilo foi influenciado pelos esportivos italianos e americanos mais destacados da época. Mais longo que o Puma, ele usava a plataforma do Sedan VW e tinha motor 1,6 litro com a potência aumentada por dois carburadores Solex 32/34 e comando de válvulas P2.

Puma GT 4R

Puma GT 4R.

Dezenas de milhares de leitores enviaram cupons à revista para concorrer ao sorteio dos três carros, incentivados pelas matérias que, mês a mês, documentavam sua construção. Cada exemplar teve uma cor diferente: o primeiro, cobre, o segundo, azul-metálico e o terceiro, verde. O interior era luxuoso, com bancos revestidos de couro. Os três estão preservados, um deles na coleção de Kiko Malzoni e os outros nas mãos de colecionadores.

Duas variações do GT 4R foram produzidas, com mudanças para não tirar a exclusividade dos carros originais, como a ausência de entradas de ar dianteiras e o posicionamento alterado do vidro traseiro. Um foi usado pelo próprio Rino Malzoni e o outro, vendido a uma cliente que muito insistiu junto ao construtor, até conseguir compra-lo.

Uma onça com sangue italiano

Pouco conhecido, o Onça foi um projeto realizado por Rino a pedido da FNM – Fábrica Nacional de Motores – que produzia no Brasil, sob licença, o Alfa Romeo 2000, um sedã esportivo que foi lançado, em 1960, com a marca JK, homenageando o presidente Juscelino Kubitschek.

A iniciativa aconteceu antes do início da Puma. O primeiro protótipo, que chegou a ser exposto num evento no Rio de Janeiro não agradou nem à FNM nem a Rino. A segunda versão, a pedido da diretoria da fábrica foi abertamente inspirada no recém-lançado Ford Mustang. Apesar disso, a dianteira do FNM Onça mantinha a identidade da Alfa Romeo, com o “Cuore Sportivo” em destaque, ao centro da grade, e barras horizontais entre os faróis.

A fabricação era artesanal, feita na oficina de Araraquara. A FNM enviava a plataforma do FNM 2000, que era encurtada em 22 cm antes de receber a carroceria de fibra de vidro. O Onça era 29 cm menor que o sedã e pesava 1.100 kg, contra 1.360 kg do carro de passeio. O acabamento final era realizado na fábrica da FNM, em Duque de Caxias, com a instalação dos sistemas mecânico e elétrico, além do acabamento interior.

FNM Onça frente

FNM Onça.

O FNM Onça usava a base do TIMB (Turismo Internacional Modelo Brasil), versão do sedã desenvolvida a partir do modelo original. O motor, alimentado por dois carburadores com corpo duplo Weber, tinha 115 cv, e o câmbio, com cinco marchas – exclusivo na época –, tinha a alavanca no assoalho.

Sucesso no Salão do Automóvel, o Onça teve vida curta e sua produção não chegou a dez exemplares – o governo federal decidiu vender a FNM, que era uma empresa estatal. Não há registros precisos sobre isso, mas sete unidades teriam sido entregues à FNM e uma oitava carroceria teria ficado em Matão, junto com os moldes. Um dos poucos exemplares remanescentes foi recuperado pelo jornalista e colecionador Roberto Nasser, de Brasília, e faz parte do acervo do museu por ele mantido. Outro está numa coleção particular, em São Paulo e um terceiro, sendo restaurado.

O bicho que “avoa”: o Carcará

O Carcará, que estabeleceu o primeiro recorde brasileiro de velocidade pura em 1966, começou a ser desenvolvido na Vemag, na metade de 1965. Suas formas foram baseadas nas dos modelos carenados da Auto Union criados para estabelecer recordes nas recém-inauguradas autoestradas alemãs na década de 1930. O autor da ideia foi Jorge Letry, chefe de competições da Vemag e fã e estudioso da história da Auto Union.

Com o fechamento da Equipe Vemag em 1966, Letry recorreu a Rino para a construção do carro, que acabou nascendo na fazenda Chimbó, com a carroceria de alumínio, criada em conjunto por Rino e Anísio Campos, modelada pelos funileiros Molina e Vaida. A base do Carcará foi um chassi de Fórmula Júnior fabricado pelo piloto Chico Landi e Toni Bianco.

O nome “Carcará” remete a uma espécie de gavião típica do nordeste brasileiro. Se o estilo não conseguiu agradar a todos, pelo menos no quesito velocidade a aprovação foi unânime.

Os primeiros testes foram feitos numa estrada, próximo a Matão, e logo depois, em Interlagos, onde o carro revelou uma aterradora tendência a perder o contato das rodas dianteiras com o solo acima dos 200 km/h e reagir demasiadamente rápido às correções de trajetória.

A precária dirigibilidade do Carcará acabou gerando um incidente no momento em que devia realizar a tentativa de recorde, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro. Preocupado com a falta de segurança, Marinho, que havia sido escalado para pilotá-lo, desceu do carro chamando-o de “cadeira elétrica” e teve uma áspera discussão com Letry. Também havia preocupação com a resistência dos pneus Pirelli normais, cuja especificação ficava bem abaixo da velocidade esperada na tomada.

Marinho desistiu de pilotar o carro e foi substituído por Norman Casari. Foi ele que, em 29 de junho de 1966, obteve a média, em duas passagens, de 212,903 km/h. O pequeno motor DKW de 1.100 cm³ chegou a engripar, mas o recorde foi estabelecido.

Passat Malzoni

Passat Malzoni
O último projeto de Rino Malzoni foi um automóvel desenvolvido entre 1977 e 78. O Passat Malzoni usava como base o modelo original, mas tinha a frente e a traseira modificadas. De perfil, como o Onça, lembrava o Mustang cupê. A quebra na linha do teto, que no Passat original tinha forte inclinação, marcava sua individualidade.

Na dianteira, Rino alongou o capô e combinou a grade original, pintada de preto, com os faróis retangulares do Dodge Polara. A tampa do motor era dividida por um friso cromado. Para reduzir o peso, o capô, os para-lamas e a tampa do porta-malas eram feitos de fibra de vidro.

Com as alterações, o espaço traseiro foi reduzido e o carro transformou-se num 2+2, onde o assento de trás só levava crianças. O motor e o câmbio eram os originais da VW, mas a suspensão foi rebaixada e recalibrada.

A ideia de Rino, já afastado da Puma havia vários anos, era produzir o automóvel em pequena escala, sob encomenda, na oficina de Araraquara, com as modificações sendo feitas em carros fornecidos pelos próprios clientes. Com seu falecimento, em 1979, o projeto não teve continuidade.

A volta do GT Malzoni

O novo GT Malzoni, fabricado a partir dos moldes do Puma GT 4R.

Fora da Puma a partir de 1974, Rino Malzoni acabou vendo seu sobrenome batizar mais um carro. O novo GT Malzoni foi construído por seu filho, Kiko – uma ideia sugerida pela indagação de um amigo sobre se ele conseguiria fazer um carro. Na época, as importações de automóveis, apesar de não proibidas, eram quase inviáveis. E o Puma, opção nacional para quem gostava de esportivos, já estava defasado.

Kiko conversou com o pai, que ainda conservava os moldes do GT 4R e pediu que os enviasse para o Rio de Janeiro, onde morava. Eles foram a base para uma nova carroceria, feita com a ajuda de Antônio Pereira, dono da Polyglass, fabricante do buggy Woody.

Uma das atrações do carro eram os faróis escamoteáveis – foi o primeiro nacional a tê-los – e, entre outros requintes de luxo, havia os vidros com acionamento elétrico.

Por insistência de Rino, o carro foi exposto no Salão do Automóvel, no final de 1976. Para surpresa de Kiko, que não planejava fazer mais do que umas poucas unidades, muita gente se interessou pelo carro. Sem saber exatamente o que fazer, ele acabou fixando o preço em 200 mil cruzeiros, o dobro do que custava o Bianco GT, exigindo para aceitar encomendas um adiantamento de 50 mil. Para sua surpresa, no final do Salão, nada menos que 25 carros tinham sido encomendados.

Para atender aos clientes, Kiko fechou um acordo com Jorge Letry, que havia montado uma firma para laminação de fibra de vidro. As primeiras carrocerias foram feitas lá, com as ferragens e o encurtamento dos chassis por conta de Chiquinho Lameirão e o preparador Miguel Crispin. Com o fechamento da empresa de Letry, a produção foi transferida para Araraquara.

Chamado apenas de GT Malzoni, o mesmo nome do primeiro carro feito por Rino, o esportivo usava motor VW 1.600 cm³resfriado a ar. Mas mais da metade dos compradores optou por modificações, como o aumento da cilindrada para até dois litros, troca da carburação, comando de válvulas e uso de virabrequim roletado.

Um amigo de Matão, José Marquez, interessado no carro, gostou tanto que perguntou a Kiko se não estaria interessado em vender a fábrica. A proposta recebida foi bem maior do que o valor estimado da fábrica e ele acabou fechando o negócio.

O novo proprietário transferiu a produção para Matão, onde foram feitos cerca de dez exemplares. Infelizmente, José Marquez faleceu num acidente automobilístico (o carro não era um Malzoni) e, apesar de seu irmão, Luiz Marquez, ter tentado manter a fabricação por algum tempo, a produção foi interrompida.

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